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DE COMUNIDADE PARA ENXAME por Marlon Camargo

UMA PERSPECTIVA CULTURAL DA IGREJA ATUAL

A igreja deveria ser uma comunidade, mas virou um grande enxame.

O início da igreja se dá em Atos 2:42, os irmãos tinham tudo em comum, havia vida comunitária. Com todos os desafios no viver coletivo, esse é um modelo recorrente para os seguidores de Cristo. O apóstolo Paulo, principal vulto do Novo Testamento, implantador de inúmeras comunidades, oferece também um elemento chave para esta reflexão.

Em carta aos Romanos, Paulo sugere para a igreja não se conformar com o mundo que vive, mas transformar o seu entendimento pela renovação do conhecimento em Cristo Jesus. Esse não parece ser o caso da igreja em um ambiente hipermoderno. Trata-se de um ambiente instável, líquido, que escorre pelas mãos. Em algum momento da história a igreja perdeu o senso comunitário e passou a operar como um enxame.

Seria determinista colocar essa condição tão somente nas transformações tecnológicas, mas é fato que seus usos influenciam significativamente tal condição. Desse modo, é notória a mudança da igreja a partir da chegada da internet e da instauração do que Manuel Castells chama de “sociedade em rede”. Essa perspectiva atrelada revela outras duas reflexões importantes para a igreja contemporânea: uma (i) proposta pelo sociólogo Zygmunt Bauman e outra (ii) pelo filósofo Byung-Chul Han.

Em (i) Baumann, no livro Vida para o Consumo, se apresenta um ambiente líquido, instável no qual o sujeito não encontra um espaço sólido para ancorar e deixa de assumir responsabilidades comunitárias. Esse sujeito, deixa sua identidade de indivíduo e assume a característica de um consumidor. Como tal, busca alternativas para viajar em bando, em um grande enxame. Eles se reúnem, se dispersam e se juntam novamente, de uma ocasião para outra guiados por “qualquer vento de doutrina”. Nesses enxames não há senso coletivo suficiente para gerar a disposição de se dividir o trabalho. Tão somente se voa no ápice da modernidade líquida em seu estímulo à constante mobilidade. Não é à toa que a rotatividade nas igrejas evangélicas se torna cada vez mais alta.

Em (ii) Han, no livro Enxame, se atribui a “mídia digital” uma abordagem pertinente, pois nela se eliminaram os intermediários. Em certa medida, a igreja é um intermediário. Ela cumpre a função de preservação da tradição e fundamentação teológica. Essas características da igreja deveriam acontecer em comunidades sólidas, capazes de sustentar a característica congregacional, comunitária, dos primeiros cristãos. Parafraseando Han, o enxame digital não é uma comunidade porque, nele, não habita nenhuma alma, nenhum espírito. A alma tende a ser aglomerante. O enxame consiste em indivíduos singularizados voando ao seu bel prazer.

Em certa medida, a igreja opera sem alma. Virou um grande enxame de indivíduos, no melhor estilo mercadológico de personalização dos serviços. É quase como se o slogan dessa igreja contemporânea fosse “meu corpo, minhas regras”.

O nosso desafio segue em retornar às origens, resgatando a essência de uma igreja comunitária, caminhando em uma espécie de contracultura no que Paulo chamou de renovação da mente em Cristo Jesus.

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2018.

LIPOVETSKY, Gilles. CHARLES, Sébastien. Os tempos hipermodernos. Lisboa: Edições 70, 2015.

HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2018.

BAUMAN, Zygmunt Bauman.

Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.

Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007.

O RESGATE DA COMUNICAÇÃO por Marlon Camargo

Há dois caminhos para a comunicação: o performático e o autêntico.

Um grande aprendizado na pesquisa sobre comunicação é compreender que os termos não são neutros. É no uso da linguagem que se revelam os significados e valores culturais de cada período vivido. Essa perspectiva transcende a performance e retoma a necessidade do uso da comunicação em sua essência.

A raiz semântica da palavra “comunicação” está relacionada com congregar, partilhar de significados em comum. A origem da palavra vem do latim e se revelou ao mundo com maior ênfase a partir 1160 carregando a ideia de comunhão. Embora pareça uma analogia simples é necessário reforçar que a comunicação está relacionada com uma abordagem comunitária.

A expansão do termo comunicação, se deu no uso da tecnologia. No século XV, na medida em que a imprensa surgiu, houve o processo de crescimento da dimensão performática da comunicação. Portanto, a dinâmica de transmissão e difusão ganham espaço.

Embora ambas as dimensões comunicativas apresentem seus atributos negativos e positivos, é preciso compreender a força desproporcional na utilização da técnica em relação as conexões comunitárias.

Dos anos 1500 até 2020 as tecnologias avançaram e no seus usos houve o distanciamento das relações geográficas. Se na era pré-moderna, uma comunicação se dava em um ambiente local, comunitário. Na hipermodernidade a comunicação é globalizada e vivida de modo virtual.

Em um ambiente hipermoderno, se estabeleceu relações distantes que ignoram a presença e são intermediadas por aparatos tecnológicos. Não se tem aqui a pretenção determinista de atribuir aos usos da tecnologia todas as mazelas da sociedade, mas é necessário compreender que ela não deveria sobrepor as dimensões humanas e comunitárias. Logo, a proposta dessa abordagem não é trazer juízo de valor quanto a utilização de uma comunicação performática ou comunitária. Trata-se aqui de tencionar a necessidade do equilíbrio entre o uso do aparato tecnológico e a demanda por relações humanas.

Ainda que celebrada em uma dimensão mercadológica a comunicação que contabiliza visualizações, em uma lógica de IBOPE, se revela como consequência do individualismo moderno. Se comunica pelo “meu” resultado e não necessariamente para gerar conexões com a sua comunidade. Nesse contexto, há de se resgatar a perspectiva humana brutalmente assassinada por esquizofrênicos apaixonados pelo Vale do Silício.

A provocação é uma alusão a exacerbação dos valores hipermodernos, relacionados ao mercado, que se refletem no individualismo e na emancipação do sujeito. Com a exacerbação dos valores valores da modernidade, se revela uma sociedade regida pelo espetáculo: um deus hipermoderno.

Note que aqui, não há uma crítica em relação a utilização de técnicas de comunicação, mas se reforça a necessidade do resgate de uma comunicação autêntica, relacionada com a comunhão, ao ato de congregar.

Uma comunicação autêntica tende a ser aquela que olha no olho e expressa a sua humanidade ao respeitar o próximo.

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